Leonette a Haley-Davidson brasileira.
Leon Herzog ✬ 1920 † 2013 |
A história do pioneiro que fabricou motos no Brasil bem
antes
da chegada das japonesas.
Naquele tempo, poucos no Brasil sabiam o que era Honda ou
Yamaha... Para a garotada que curtia motocicletas, o barato era a Leonette, uma
"cinquentinha" fabricada em Bonsucesso. A marca nacional, que foi
coqueluche na década de 1960, hoje está praticamente esquecida. Mas os
registros de sua existência resistem na de Alex, filho do fundador da empresa
Leon Hezorg.
Para lembrar a saga da fábrica pioneira é preciso contar a
vida de seu Leon, que foi atropelada pela História.
Aos 20 anos, ele era um judeu em um péssimo lugar para se
estar em 1939: a Polônia. Sua família tinha uma pequena fábrica de bicicletas
quando os nazistas invadiram o país. Leon e os parentes foram mandados em 1942
para o gueto que concentrava os judeus de sua cidade, Ostrowieck. Por se
recusar a sair de casa, seu pai foi morto pela Gestapo.
Para fugir do gueto, Leon usou uma identidade falsa, de
polonês não-judeu. E, com o nome Jan Grabowski, entrou numa frente de trabalhos
forçados que o levou à Alemanha - pior lugar possível para se estar durante o
regime nazista.
Na Alemanha, Leon foi trabalhar numa fazenda. Consertava
máquinas, operava o trator e arava a terra. Viu bombardeios aliados e o
desespero dos nazistas. E, assim, garantiu sua sobrevivência até a chegada das
tropas americanas, em 1945.
A guerra acabou e eu não tinha nenhum parente vivo na Europa
- conta Leon.
Em vez de remoer o passado, ele adotou uma filosofia de
vida: "Era para eu estar morto há muito tempo. Tudo o que vier daqui para
a frente será lucro". O jeito foi buscar abrigo no que sobrara de sua
família: os irmãos que haviam emigrado para o Brasil antes da guerra.
Aqui, encontrou guarida com o primogênito da família,
Bernardo, dono da empresa de produtos químicos B. Herzog. Desta forma, Leon
voltou à sua antiga atividade: montar e vender bicicletas. De uma lojinha, a
coisa evoluiu para uma fábrica no Caju, em 1951. Era a Gulliver (nada a ver com
a homônima empresa de brinquedos).
Na Europa do pós-guerra, havia a onda dos pequenos motores
2T para serem acoplados a bicicletas. E foi a partir de um desses motores, da
francesa Lavalette, que Leon montou, no Brasil, seu primeiro ciclomotor: a
Gullivette.
Leonette, Gullivete Primeiro
modelo a ser produzida em 1960.
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A produção correu bem até que, em 1957, houve um
desentendimento entre os sócios da B. Herzog, e a Gulliver foi fechada. O que
sobrou para Leon foi o conhecimento para montar a empresa L. Herzog.
Ele comprou uma fábrica de baldes desativada em
Cavalcante e começou a fazer as bicicletas Cacique e Roadster. Numa viagem a
Frankfurt, Leon foi a uma feira de negócios e adquiriu moldes usados de um
ciclomotor francês fora de linha. Depois, foi preciso adaptar as prensas de
baldes para estampar tanques e quadros.
Só o motor, a transmissão e os cubos de rodas seriam
importados, da então Tchecoslováquia. Eram da Jawa, na época uma poderosa marca
no mundo das duas rodas.
Assim, no fim de 1960, nasceu a Leonette. O nome, óbvio, era
uma referência ao fundador. Já o escudinho colorido no tanque era o brasão de
Luxemburgo - país de origem do sogro de Leon, que muito o ajudara na
empreitada.
O primeiro modelo tinha duas marchas, com seletor no manete,
e pedais para ajudar o motorzinho de 50cm³ nas subidas.
Logo, a Leonette começaria a ser modificada. Em 1965, o
motor tcheco ganhou novo carburador, que já permitia manter uns 50km/h...
Como Leon tinha um equipamento para fazer os raios das
rodas, não demorou a fabricar também vergalhões e outros materiais para a
construção civil.
Dava menos trabalho e era dinheiro certo - conta o filho
Alex. Novo motor em 1967
A empresa migrou para Bonsucesso e cresceu. Dobrar e laminar
aço passou a ser o negócio principal. As motoquinhas, porém, vendiam como pão
quente, com representantes de Manaus a Porto Alegre. A maior evolução aconteceu
no fim de 1967, com o novo motor Jawa de 50cm³, de cilindro na horizontal. Além
disso, tinha caixa de três marchas acionada com o pé e partida por quique.
Chegava a 80km/h.
Moto Nelson, a história do motociclismo no Brasil, contada uma peça de cada vez. |
O fundador estava cada vez mais concentrado nos negócios com
aço e quem tocava a divisão de motos era o espanhol Antonio Sanchez, diretor
industrial da fábrica.
Em 1967, surgiu a Leonette de maior sucesso: a Sport, com
tanque na mesma posição das motos modernas. E havia a bela Super Sport, com
guidom baixinho, tipo Manx. O modelo Ideal, mais simples, tinha um escudo
frontal.
Linha de produção fábrica de Bonsucesso Rio de Janeiro |
Na época, motos de até 50cm³ podiam ser pilotadas por
qualquer maior de 15 anos sem habilitação. O sucesso era tanto que havia até
grupos como o Clube dos Leonetteiros, que fazia longas excursões até... o
Grumari!
Clube dos Leonetteiros |
Os números de produção, nem os fabricantes sabem. Mas era
muita coisa: a moto era exposta em diversas lojas de departamentos, como a
Mesbla. Só um dos representantes em São Paulo vendia 50 por mês.
Mas, em 1968, os soviéticos invadiram a Tchecoslováquia e os
ótimos contatos com a Jawa foram prejudicados.
Pedíamos uma peça, chegava outra - lembra Leon.
Para piorar, o regime militar brasileiro endureceu, criando
obstáculos aos negócios com países comunistas.
Eis que um dia, em 1969, o filho
de um ministro morreu em Copacabana, num ciclomotor. Quase imediatamente, os
menores foram proibidos de pilotar. As vendas caíram a 1/4 do que eram.
MustangM20 1971 |
Poster da Mustang M20 para revendedores SAIBA MAIS |
E a história se repete, por isso que a Harley-Davidson e Indian são Harley-Davidson e Indian.
E a Leonette ? Há a Leonette é brasileira!.
Ao mesmo tempo, o milagre brasileiro fazia as encomendas de
aço para a construção civil acelerarem, concentrando todas as atenções na L.
Herzog. A pá de cal foi a invasão das motos japonesas. Era o fim da Leonette: a
última, chamada Mustang M20, foi feita em 1971.
A Honda chegou a entrar em contato com Leon, para montar
motocicletas no Brasil.
Eu só faria se pudesse usar o nome Leonette. Não foi adiante
- conta o empresário.
A fábrica de Bonsucesso continuou os negócios com aço e foi
vendida para a Gerdau em 1992.
Em homenagem a Leon Herzog, um brasileiro como todo político deveria ser.
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Poste baseado
em reportagem de Jason Voguel, O Globo.